domingo, 21 de outubro de 2012

Mano Velho - Bruno Medina


(eu sei que tá atrasado, mas o texto é ótimo)
 Não sei se alguém se deu conta – se é que alguma vez alguém se importou com isso de fato – mas, em menos de 15 dias, queiram ou não, milhões de brasileiros estarão novamente submetidos ao controverso Horário de Verão. Tempo de economizar Gigawatts em nome do progresso, de se embananar com o ajuste dos relógios (atire a primeira pedra quem nunca), de reclamar por ter que acordar antes do dia amanhecer e de assistir na TV as infalíveis reportagens sobre os efeitos nocivos da mudança de horário em nossos cérebros. Nestes dias de calor intenso e de pores-do-sol que invadem as noites, um personagem em especial se destaca; apesar de pouco lembrado durante o resto do ano, em breve ele estará no centro das atenções, jogando luz sobre a enorme influência que exerce na vida que cada um de nós têm, ou que consegue ter. De quem estou falando? Do relógio biológico.
Do meu, especificamente. Pois sempre que penso neste meu velho amigo de tantas rusgas, lembro-me de ‘Sobre o Tempo’ do Pato Fu (Tempo, tempo, mano velho/Falta um tanto ainda, eu sei/Pra você correr macio…) e de um filme produzido no século passado, que alguns de vocês devem ter assistido na Sessão da Tarde, ‘Feitiço de Áquila’. A narrativa gira em torno de um homem e uma mulher amaldiçoados por um bruxo ciumento, e de sua tentativa de promover o eterno desencontro do casal transformando-os, em períodos alternados do dia, em lobo e águia, respectivamente. Devo dizer que a parábola retrata com bastante fidelidade no que consistiu minha vida social até então, sim, porque meu relógio biológico começa a funcionar cedo, muito cedo. Portanto, meu amigos, não importa quais sejam as condições, independente da hora em que eu vá me deitar, no dia seguinte estarei de pé com as galinhas. A festa foi boa e esticou até o amanhecer? Nada de sono reparador, no máximo às 7h estarei de olhos abertos, pronto para encarar um novo dia… feito um zumbi. E não adianta apelar para a razão, alegar que é domingo, que está chovendo, que todo mundo está dormindo ou mesmo que efetivamente não há nada para se fazer além de abraçar o travesseiro. Meu relógio biológico é pouco dado a negociações e, por temer sua conhecida inflexibilidade, evito desafia-lo. A única exceção que posso citar foi um Carnaval em 2004, quando acordei às 11h com os chamados aflitos de um parente pensando que eu tivesse morrido.
Mas não pensem que há apenas desvantagens. Por exemplo, insônia, de ficar fritando de um lado para o outro na cama, nunca tive, muito menos dificuldades em levantar de manhãzinha para ir à escola, aliás, acho que nunca dormi em sala de aula. Também se o programa for diurno, tipo, aproveitar o sol e a natureza, pode apostar que serei um dos mais empolgados do grupo, respondendo o ‘bom dia’ do guia turístico com invejável entusiasmo. Se eu gosto de ser desse jeito? Depende. Para cair na estrada com o Los Hermanos é um sufoco, para dar conta da energia dos filhos assim que acordam, uma benção. No mais, reclamar do relógio biológico tem a mesma validade de se queixar da própria altura. Seria mais ou menos como perguntar ao Aquaman se ele está ou não satisfeito com seu super-poder de se comunicar telepaticamente com animais marinhos; claro que ele pode se sentir um pouco frustrado ao se comparar com o Super-Homem, que tem a super-velocidade, visão de raio-x e pode voltar o tempo voando ao redor da Terra, mas e daí? Adianta alguma coisa? A grama do vizinho é sempre mais verde e, neste caso, não é diferente.
Ao invés de me bater contra uma característica que dificilmente irá mudar, prefiro abraça-la e reconhecer que trata-se de uma tendência contra a qual não vale a pena lutar, um traço muito arraigado em ambos os lados da minha família, que na prática determina nos falarmos ao telefone antes das 8h, inclusive nos finais de semana. Parece estranho, eu sei, mas depois de alguns anos eu juro que é possível se acostumar. Se o bruxo do ‘Feitiço de Áquila’ quisesse me amaldiçoar tenho certeza que me transformaria numa coruja. Imagina ter que passar a noite toda acordado e virando o pescoço daquele jeito? Não tem castigo pior. Se bem que virar um golfinho e depender do Aquaman para conversar com meus parentes por telefone antes das 8h seria punk…
Publicado na coluna do G1.

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